AÇÕES PARA DESFAZER INVISIBILIDADES, de Rosa Grizzo

ACÕES PARA DESFAZER INVISIBILIDADES

ROSA GRIZZO

CURADORIA DE MARCELO SALLES 

ESPAÇO FERNANDO BECK | DE 16 DE NOVEMBRO A 11 DE JANEIRO

A relação laboral mudou muito ao longo da História, seja como trabalho feito por escravizados, o aprisionamento à terra por algo como a vassalagem ou a mediação por máquinas e pela informática; porém há uma modalidade de trabalho que permaneceu, e permanece, invisibilizada perante a sociedade: o trabalho doméstico executado por mulheres. Os modos para que isso permanecesse inalterado por tanto tempo são insidiosos: a religião, a biologia, o “amor materno, a família e até mesmo a economia. Afinal este nunca foi um trabalho remunerado independente da riqueza tentacular que gera; e que também é, convenientemente, invisibilizada.  

Neste recorte da produção de Rosa Grizzo, trazemos para o Espaço Fernando Beck, da Fundacão Cultural BADESC, exemplos de sua  pesquisa e produção a partir de atividades cotidianas. Atos banais como uma caminhada, o preparo do café da manhã ou administrar a rotina do lar que podem levar ao automatismo e entorpecimento através da repetição, que, por sua vez, gera invisibilidade ou apagamento de quem os executa, principalmente as mulheres, já que grande parte dessas atividades é associada ao universo feminino. Através de um olhar atento e agudo, mas também generoso, dessas atividades, a artista propõem inverter essa invisibilidade. Sensível e sabiamente ela se valeu de uma forma de expressão também associada ao universo feminino: o bordado. Desta forma, tecidos puídos, artigos de enxoval, lenços, recortes de colchas ou toalhas, bastidores, ganham outros significados servindo de suportes para intervenções com linhas e restos de tecido que enfatizam a passagem do tempo, a dedicação, a frustração do não reconhecimento, o apagamento de si, a opressão, em vários veis, à que são submetidas as mulheres (independente de classe social), o abandono dos sonhos. Feridas ficam visíveis, formas repetidas tornam-se silhuetas, a rigidez geométrica é questionada, o que deveria estar contido vaza e escorre pelo chão. Tanta vontade e inconformismo ganhando corpo com suavidade e força. Cabe destacar que Rosa expande essa relação de visualidade e significados através de fotos e vídeo, linguagens que associamos normalmente a uma comunicação mais direta, por ainda estarem associadas ao “mundo real”. 

Nesta difícil equação de lidar com algo tão forte e real, ainda que invisibilizado, deliberadamente ou não, Rosa se vale de associações abstratas. Escapa de leituras literais, domesticadas ou panfletárias, pois entende que o processo de compreensão de algo, muitas vezes  acompanhado de surpresa e/ou negação, é complexo demais para se deixar seduzir pela facilidade da literalidade. É justamente essa complexidade, a mesma que define o pensamento humano, seu grau de autonomia e consequente emancipação possível através do contato com aquilo que mesmo estando próximo de nós não conseguimos enxergar. 

É essa difícil tarefa que Rosa impôs a si mesma: tornar visível aquilo que foi ou está invisibilizado. Que tenha escolhido a arte como forma de executar o que se propôs pode não ser o caminho mais reto, mas com certeza é o que mais estimula o pensamento.  

Marcelo Salles, fevereiro de 2023. 

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