DESENHO DE MONSTRO, Nau dos In-sensatos
BETÂNIA SILVEIRA • CAMILA VILLACIS • CARMEN ZAGLUL • ELIANE VEIGA • ESTEVÃO MATTOS • FERNANDA FONSECA MACHADO • ISABELA MENDES SIELSKI • JANAÍNA CORÁ • JOÃO MULLER • JOSEANE REGINA REGINATTO • KAUÊ POLICASTRO • MANOLO DOYLE • MARTA MARTINS • MAURÍCIO MUNIZ • RICARDO RAMOS • ROBSON XAVIER DA COSTA • RONALDO LINHARES • SAULO PEREIRA • THAÍS GIL
ESPAÇO FERNANDO BECK | DE 16 DE FEVEREIRO A 30 DE MARÇO
Ao conversar com a curadora de “Nau dos In-sensatos”, Adriana Mdos Santos,
surgiu o termo “afinidades monstruosas, que bem caracteriza a mostra”. Sim,
são afinidades que nos tiram do comum, ainda mais quando se trata de monstro,
um termo que é tão carismático que serve para glorificar pessoas.
Tanto é que sem ele não vivemos, e convivemos com os monstros que
imaginamos, porque lendas também são necessárias, cada qual com seu
monstro como na feliz noite gótica de Mary Shelley, quando foi desafiada a criar
o supremo – quem foi lançado da luz por ter excesso de luz, e que ao cair no solo
criou o inferno como se lê em Paraíso perdido, de Milton.
Os monstros nos seduzem, chamados com voz suave, porque desejamos suas
forças sobrenaturais. Se não fosse isso, Goethe não o teria apresentado em
Fausto, na célebre cena da colina, quando incita o herói a explorar tanta energia
armazenada no mar.
Por falar em mar, o título da mostra tematiza a história da loucura na Idade
Moderna, quando no século 15 os insensatos eram banidos das cidades, mas
como não eram completamente loucos voltavam, sendo então confiados aos
marinheiros, ou seja, ao mar: eram abandonados em ilhas remotas ou mesmo
lançados ao mar. A principal fonte neste sentido é Stultifera Navis, 1494, de
Sebastian Brandt, tendo a antecedência alegórica no Livro VI da “República”,
de Platão, crítica o desgoverno que predominava naquele tempo.
Assim surgiu um dos temas mais recorrentes, o da nau dos insensatos, explorado
por pintores e poetas como, daquela época, Dürer e Bosch, tendo o auge com
O barco bêbado, de Rimbaud, o canto dos adolescentes.
Em Bosch, os insensatos são os religiosos, e em Rimbaud é ele mesmo que
abandona a insensata cultura europeia.
Para Foucault, em História da loucura na idade clássica, o banimento dos
insensatos foi o primeiro tratamento médico, seguido de muitos outros tão loucos
como a própria loucura, como fazer o paciente engolir limalha de ferro
suportar odores fétidos, queimaduras, inoculações, ser girado horas e horas numa
grande roda para controlar a irregular agitação dos espíritos. Também, como
vemos em Bosch, foi praticada a trepanação, pois se acreditava que a loucura
era provocada por uma pedra no cérebro
II
Ao ver as imagens que compõem “Nau dos In-sensatos”, não deixava de
pensar na imaginação gótica de Mary Shelley, pois no caso de se criar
monstros é essa qualidade assombrosa, da treva, que se insinua.
No conjunto da mostra, o gótico se apresenta de várias formas: ilustrativas,
abstratas e conceituais.
Portanto, um leque de imagens mentais, cada qual com a capacidade
que tem de trançar a crina da égua da noite.
Todos, então, no momento de realização da obra chamando com voz
baixinha o monstro, sendo um dos primeiros em nosso tempo os yahoos,
os homens-macacos que Jonathan Swifth fez Gulliver encarar em sua
última viagem.
As imagens ilustrativas dos monstros, apesar das diferenças visuais
expressivas, têm um aspecto em comum: são fantasmas infantis na vida
adulta, a proverbial necessidade de educação por meio do temor, ao que
se dá o sentido de exorcização.
As imagens abstratas sugerem um distanciamento do tema, não indiferença,
em função do próprio abstrair os elementos de superfície como se a
monstruosidade fosse inorgânica.
Nas imagens conceituais o que prevalece é a ideia que subentende o
monstro, a presença do fantasma e referências da história da pintura
barroca, romântica e simbolista.
Jayro Schmidt, ensaísta e teórico de arte