EXAPTAÇÕES, a obra de Juliana Hoffmann

EXAPTAÇÕES

A obra de Juliana Hofmann

CURADORIA RAUL ANTELO.

ESPAÇO FERNANDO BECK, PAULO GAIAD E JARDIM| DE 27 DE JUNHO A 14 DE AGOSTO

Artista Convidadas –  Clara Fernandes Ilca Barcellos Jea Voss Laís Krücken Lena Peixer Meg Roussenq • Rosana Bortolin Sara Ramos Yara Guasque 

« Alphaville é uma sociedade técnica, como a dos cupins ou das formigas »

Jean-Luc Godard – Alphaville (1965).

Face ao suicídio de Maiacovski (uma primeira morte da vanguarda), André Breton, dizia que o autor de O percevejo tinha cabeça de térmita. Há algo extraordinário, na destruição, que fascina. André Gide, por exemplo, admitia que, se lhe fosse dada uma segunda vida, dedicaria ela ao estudo dos cupins. E Antonin Artaud argumentava que, enquanto as imagens da peste são os derradeiros jorros de uma força espiritual que se esgota, as imagens poéticas são, no entanto, uma força que parte do sensível para dispensar a realidade. A peste (o Mal) toma imagens adormecidas, que são uma desordem latente, e as conduz aos gestos mais extremos, porque, assim como a liberdade, e tal como o sexo, ela é densa e obscura. Uma de suas encarnações, a Ninfa, erotiza, consequentemente, o combate entre a vida e a morte e, nesse sentido, encarna um desses dinamogramas menádicos de fim-de-século XIX, tão bem explorados por Loïe Fuller, na dança, ou por Étienne-Jules Marey, na fotografia; pela art nouveau e pela poesia simbolista; por Hoffmanstahl e Mallarmé; por Rubén Darío e Cruz e Souza, por Proust e Maeterlinck. A propósito, há quase um século, em 1926, Maurice Maeterlinck publicou A vida das térmitas, volume inspirado no trabalho do entomologista Eugène Nielen Marais, A alma da térmita (Die Siel van die Mier). Justamente nele, Maeterlinck louva os cupins, em função de sua singular organização política, econômica e social, que, a seu ver, prefigurava o rumo que tomariam as sociedades ocidentais. Avaliava, assim, os pequenos insetos como grandes utopistas que, à procura dos limites em que a imaginação se refrata e difunde, à maneira de um raio de luz, encontravam modelos de sociedades futuras, que, se nos apresentam tão fantásticas, tão inverosímeis e, porventura, tão proféticas, quanto as que poderíamos encontrar em pontos remotos da galáxia, tão alucinantes como um pesadelo de Odilon Redon, ou como a visão alteromundista de William Blake. Além disso, os cupins, semelhantemente aos homens, teriam recebido destes uma condenação injusta (perversa, irônica, caprichosa, ilógica, ou mesmo pérfida), muito embora, às vezes, e melhor até do que os próprios homens, eles tenham sabido tirar proveito de uma pequena força, invisível: a inteligência. Graças a ela, os cupins conseguiram transformar se e criaram suas próprias armas. São, além do mais, extravagantes arquitetos. Não constroem, como nós, suas casas a partir do exterior, mas sempre desde dentro. Sendo cegos, os cupins não veem o que edificam. Conseguem combinar, contudo, o oxigênio da atmosfera com o hidrogênio de sua alimentação vegetal, de modo que, conforme se evapora, eles reconstituem a água de que carecem, o que nos permite concluir que, além de arquitetos, os cupins são químicos e biólogos sutis, cuja castração voluntária substitui o matriarcado.

Juliana Neves Hoffmann (1965) parte de um conjunto heteróclito de livros da biblioteca paterna, dentre eles Homens e algas de Gama d´Eça, neles detectando um traço indelével compartilhado: todos sofreram a contingente intervenção dos cupins. São poeira do saber: o Oxford Home Atlas of the World, editado em 1955 pelo Cartographic Department da Clarendon Press, para uso predominantemente doméstico; a clássica enciclopédia BARSA; ou então a edição 1978 do dicionário Cassell alemão-inglês, preparado por Harold T. Betteridge. A eles se somam algumas obras panorâmicas, que definem o que um leitor medianamente culto, da primeira metade do século XX, devia conhecer: The Building of the Modern World (1942), de John Adams Brendon; The French Revolution (1916), de um discípulo de Sorel, Louis Madelin; as Maravilhas do Conto Francês antologizadas por Diaulas Riedel ou a English Social History: A Survey of Six Centuries, Chaucer to Queen Victoria (1946), de George Macaulay Trevelyan. A eles se somam, ainda, alguns textos ficcionais de gosto não menos eclético: os poemas de Robert Frost; os relatos de ficção científica de Ray Bradbury, como The Illustrated Man (1951); The Pocket Book of O. Henry, uma antologia preparada por um colunista da New York Book Review, Herschel Brickell; Histórias dos Mares do Sul, de W. Somerset Maugham; o pastiche Monsignor Quixote (1982), de Graham Greene ou Death in Venice, de Thomas Mann, a edição Vintage Books (1954), do clássico relato pestífero de Gustave von Aschenbach. Por último, uma coleção de capa dura, livrinhos de não mais de 60 páginas, com que, por volta de 1995, a Penguin Books comemorou seu 60º aniversário: Bartleby de Herman Melville; The Dreaming Child, de Isak Dinesen; The Pavilion on the Links, de Robert Louis Stevenson; Baa Baa, Black Sheep, de Rudyard Kipling; First and Last, de Truman Capote e fragmentos da autobiografia Pages from a Scullion´s Diary de George Orwell.

O trabalho de Juliana Hoffmann, bem como a flexibilização de parâmetros da artista venezuelana Gego (Gertrud Goldschmidt, 1912-1994), ou a fusão de aracnologia e astrofísica das estruturas tridimensionais rizomáticas, que não passam de modelizações de micro e macro-sistemas complexos, de Tomás Saraceno (1973), poderiam ser pensados à luz de uma recusa do antropocentrismo ontológico, tal como propõem os novos realismos, que representam um retorno à ontologia, na medida em que aproximam-se do ser enquanto ab-soluto, isto é, algo separado e independente da consciência, mas enfrentado, porém, ao limite. “O Garanço parado quieto, sempre empinado com a frente do corpo, semelhando que o cupim ele tivesse abraçado. A morte é corisco que sempre já veio” (Guimarães Rosa – Grande sertão, veredas).

Raul Antelo

A exposição “Exaptações – Jardim” é uma coletiva que reúne nove artistas na área externa da Fundação Cultural BADESC e busca, por meio de um conjunto de trabalhos, desdobrar a problemática iniciada por Juliana Hoffmann na exposição que ocorre no interior da casa. Ao refletir sobre a ruína do mundo moderno, abre-se um espaço não só para questionar as escolhas que levaram a humanidade a essa condição, mas também para procurar outros referenciais em lugares improváveis, que guardam alternativas diversas de modos de existir.

O jardim, ao contrário de um espaço expositivo habitual, possui personalidade e elementos próprios que o constituem, como a imponente araucária que se ergue a esquerda de quem sobe as escadas após o portão. Por isso, considera-se importante que uma exposição neste espaço leve em conta tais particularidades, partindo da compreensão de que a arte pode estabelecer uma silenciosa conversação entre o que já está e o que se coloca.

Os trabalhos aqui expostos formam uma espécie de comunidade com o entorno, na medida em que cada obra está em relação com tudo que a circunda, assim como os limites entre natureza e obra são reelaborados a cada novo olhar, fazendo com que as delimitações dos espaços entre as obras criem interações constantemente renovadas. Afinal, ali onde tudo está em transformação, basta um breve intervalo para que a luz avermelhada de um pôr do sol se transforme em noite densa e misteriosa, permitindo que dois espectadores testemunhem visões singulares de uma mesma exposição, ou uma tarde de chuva faça perceber o frescor das folhinhas que se renovam em seu ciclo vegetal junto com o testemunho dos animais que por ali passam enquanto circulamos.

Equipe Curatorial

Eduarda Andrade
Estela Camillo
Gustavo Scheidt
Lígia Czesnat
Rainara Sofia
Victoria Beatriz

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