OFICIALIZAÇÃO DO ESPAÇO PAULO GAIAD
ESPAÇO PAULO GAIAD | DE 18 DE OUTUBRO A 17 DE NOVEMBRO DE 2018
Em homenagem ao artista Paulo Gaiad, reconhecidamente um dos mais importantes do Estado de Santa Catarina, a Fundação Cultural Badesc reinaugura o espaço expositivo no piso superior com o seu nome. Entre 26 de novembro de 2015 e 26 de fevereiro de 2016, a exposição Impossibilias: arquivo e memória em Paulo Gaiad ocupou todos os espaços da Fundação reunindo o maior número de obras do artista já expostas em conjunto. Esta foi a última exposição do artista em vida, que faleceu em outubro do mesmo ano. A reinauguração traz um dos vídeos que integrou esta exposição com um vídeo, duas obras inéditas do artista, além de uma série de imagens e textos que resumem a trajetória do Espaço 2 desde a sua criação, em 2014. Paulo Gaiad nasceu em São Paulo. Mudou-se para Florianópolis nos anos 1980. Foi Arquiteto e Desenhista. Sua produção contempla a pintura, o desenho, a fotografia, a instalação e a literatura.
“Embora não sejam feitas da mesma matéria, impossível desatar o nó que existe entre vida e obra. Trata-se de fazer da obra a parte central da vida, recolhendo e alterando todos os frutos que se espelham e confrontam sem cessar. Assim, se a vida como a obra não tem nada a ver com beleza e felicidade, mas com uma experiência única e indivisa, em ambas também prevalece a lei de um trabalho sem concessões, sem nenhum fim alhures, sejam eles o lucro, o sucesso, o êxito fácil, a crítica favorável, as benevolências. O que advém do meu processo de criação é obtido por meio uma escuta recolhida, fiel às buscas e penhores que tangenciam os domínios do incomunicável, do escorregadio e do intransferível.”
Paulo Gaiad
APRESENTAÇÃO
Oficialização do Espaço Paulo Gaiad.
O Espaço 2 passa a ser oficialmente chamado de Espaço Paulo Gaiad, em homenagem ao artista que figura entre os mais importantes do Estado. Falecido em outubro de 2016, Gaiad realizou sua última exposição poucos meses antes na Fundação, quando ocupou todos os seus espaços expositivos, inclusive este que agora recebe seu nome.
Quando o Espaço 2 foi instalado na antiga sala da direção geral, a Fundação optou em deixá-lo com um nome mais aberto, permitindo que construísse uma trajetória mais espontânea. Tanto que a exposição de abertura não privilegiou um artista ou uma modalidade específica, mas uma coletiva que uniu artes visuais, música, moda, design e outras linguagens. O próprio espaço não foi inicialmente delimitado, aguardando como se comportaria e se espalharia pelo hall e outros ambientes da casa.
Nestes quatro anos de existência, o espaço se consolidou como um dos mais importantes para as artes visuais em Santa Catarina, fomentando projetos como o edital de ocupação Primeira Individual e recebendo exposições marcantes como Impossibilias: Arquivo e Memória em Paulo Gaiad.
Eneléo Alcides
O Espaço 2, recém nascido, desenhará seu ethos ao longo de diálogos com o público, com os setoriais da arte, com as manifestações mais espontâneas da cidade. Já começa organicamente a se espalhar pelo casarão: compartilha com o Cineclube uma parede aberta às movimentações culturais; dali certamente ocupará a escadaria e os corredores superiores da Fundação; abre as portas da sacada superior para a envolvente vista dos jardins, outro espaço que pretende conquistar em breve, levando a Arte para mais perto da rua.
ENELÉO ALCIDES | DIRETOR GERAL,
no plotter de abertura do Espaço 2
Polifonicamente, o Espaço2 inaugura-se com encontros: de artistas que trabalham diferentes linguagens e expressões, aparentemente dessemelhantes, mas apropriadas a interação; de interlocutores que atuam em diversos universos e, aqui, gentilmente coassumem um papel curatorial corajoso, emprestando seus olhares sobre a produção contemporânea, apresentando obras e dialogando com a proposta da diretoria; do público apreciador, conhecedor ou profissional da arte, que compartilha na Fundação Cultural Badesc as certezas e incertezas dos movimentos e das políticas culturais da nossa época.
ENELÉO ALCIDES | DIRETOR GERAL,
fragmento do texto de apresentação da exposição Diálogos Expostos inaugurando o Espaço 2 – E o Espaço 2?
– É uma tentativa de criar mais um canal de diálogo.
– Você sabe que a lógica do complemento (nesse caso, o Espaço 2 em relação ao Espaço Fernando Beck) é de se tornar o centro, né? Preparem-se, eu acho que o 2 logo virará o 1. FERNANDO BOPPRÉ,
fragmento do texto da exposição Diálogos Expostos
Paulo Gaiad (1953, Piracicaba, SP- 2016, Florianópolis, SC) viveu e trabalhou em Florianópolis a maior parte de sua vida. Utilizou diversos materiais e procedimentos, combinando constantemente os registros do visual e do dizível, a partir do lance biográfico.
Em 2003 o artista pediu a diversas pessoas que lhe enviassem um pequeno texto com frases, sinais, palavras, símbolos para compor um pedaço de um texto único que pretendia fazer. Bloqueado e sem inspiração, não conseguia dar conta desta empreitada. Ocorre que no terreno em frente de seu ateliê, diariamente via pela janela uma vaca que passava os dias ruminando pacífica e indiferente. Esta cena lhe serviu de espelho, ao reconhecer no animal silencioso e vazio uma sensação de espera que era sua. Assim, deu início a uma espécie de inventário da sua vida, através de um trabalho com fotografia e pintura sobre tela, prosseguindo de 2003 a 2008, com texto baseado no Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdã. Assim nasce o Atestado da loucura necessária ou a vaca preta que pastava em frente da minha casa, trabalho em que as palavras ocupam um fundo, enquanto as formas desenhadas retornam como síntese, permitindo construir de modo cifrado inúmeras articulações com seu passado e presente.
Ficcionando um animal que vive as lides humanas e observa suas insânias, consegue não apenas reunir todas as pequenas narrativas que lhe foram enviadas, como fazer uma sequência fotográfica, além de realizar uma performance no Paço das Artes em São Paulo, onde ficou doze dias escrevendo no chão, acompanhado pela foto da vaca numa das paredes, cuja presença permite que o artista possa escapar de si, problematizando a loucura. A questão é registrada no vídeo Atestado da loucura necessária (12’43”).
Ainda naqueles anos, entre O atestado da loucura e A divina comédia, o artista realiza as chamadas Séries soltas. Além de cerca de 18 placas de gesso forradas com papel e desenhadas com pasta de carvão moído e álcool, implicando numa fatura com diferentes experimentações e combinações, destaca-se uma irônica pintura. Numa espécie de díptico emendado, um morro perto de sua casa continua na tela seguinte com um morro imaginado, obtido pelo dorso da vaca com a qual resolveu seus impasses poéticos. Porém, o recurso da paisagem é realçado pela beleza de um céu carregado de nuvem dourada pelo efeito de uma luz solar, apesar de prenunciar uma tempestade, tal como evidenciada no título: Luz e sombra. A tempestade (acrílica sobre tela com fotografia e colagem, 2007).
No ano de 2014 o artista realizou uma série de oito pinturas em tinta acrílica sobre tela, combinando desenho e texto, fotografia e colagem, todas com o mesmo título: After Darkness. Assim como não há hierarquia entre estes procedimentos, também não há distinção entre cena e retrato, paisagem e natureza morta, sendo que corpos e paisagens se diluem e contaminam, tornando-se coisas díspares e aglutinadas em situação onírica. O que se destaca nestas telas é a recorrência de certas preferências, tais como o gosto pela fotografia em preto e branco, a apropriação atenta de certos detalhes ampliados, o cuidado na escala e proporcionalidade das formas, conjugado com um efeito de inacabamento. A variedade de tonalidades cinza e bege, passando pelas sutilezas esverdeadas e azuladas produzem um efeito dramático e noturno, sendo que, além das rasuras e riscos que produzem um efeito de desgaste, a encenação da passagem temporal é produzida pelo efeito amarelado. Enquanto a figuração de certas partes anatômicas é evidenciada, os ambientes que o artista visitou em viagens e residências artísticas são alterados, tal como acontece com as localidades de Corme na Galícia, Amesterdã na Holanda, Brda na Eslovênia, Istria na Croácia, Lion na França, Sloestika na Macedônia.
Assim, destaca-se a tela After Darkness I (acrílica sobre tela com fotografia e colagem, 2014), em que a foto de um corpo masculino, em situação de escorço, aparece à esquerda e em primeiro plano, enquanto que no lado direito, em segundo plano, comparece o desenho feito pelo artista de um nu deitado de lado com a genitália evidenciada. Ambos os corpos estão numa sala escura, apesar da abundante entrada de luz pelas vidraças fechadas. Completando a montagem, fragmentos textuais ampliam o descontexto, por onde se infiltra uma atmosfera erótica. Neste jogo de rememoração e metamorfose, recombinando enredos e cenas, o conteúdo biográfico é obliterado, gerando deslizamentos e novas potencias mnemônicas. Os abandonos e as redefinições, as tentativas e as premeditações surgem cifradas, funcionando como significante para o espectador que se encontra diante da obra.
Rosângela Cherem