SCHWANKE, HABITAR OS INCORPORAIS
CURADORIA DE ROSÂNGELA CHEREM
TODOS OS ESPAÇOS | DE 01 DE DEZEMBRO DE 2016 A 16 DE MARÇO DE 2017
Projeto realizado em parceria com o Instituto Luiz Henrique Schwanke – ILHS, marcando 25 anos da morte do artista catarinense, que conquistou em vida grande projeção nacional e internacional. Todos os espaços da Fundação foram especialmente preparados para receber 89 obras. Além dos halls, Espaço 2 e Fernando Beck, a Cobra Coral serpenteou os Jardins e a instalação Claro-escuro (Deposição de Cristo), com 24 refletores de luz de campo de futebol, foi montada na sala da antiga biblioteca. A mostra inclui as revisitações, em que o artista descontrói a referência original de telas de Georges La Tour, Canova e Leonardo da Vinci, entre outras, adotando signos do design contemporâneo; desenhos e pinturas de diferentes fases; séries como os sonetos, os cristos e os shorts; as obras criadas entre 1988 e 1991 que têm como matéria-prima o plástico, apelidadas como mandala, perfis, maletas, galões e pregadores de roupas. Como preparação prévia da exposição, a curadora Rosângela Miranda Cherem ministrou o curso-pesquisa Schwanke, Arquivo, Interlocuções e Desdobramentos no ILHS, com um grupo de 15 pesquisadores, mergulhando no acervo de mais de 2.500 obras. A exposição teve como desdobramentos duas rodas de conversa, Proximidades com Schwanke: o artista e as obras, em fevereiro e março de 2017 e um novo circuito expositivo produzido na cidade de Joinville, em três espaços: Museu de Arte de Joinville, Instituto Internacional Juarez Machado e Associação Empresarial de Joinville, de maio a agosto de 2017. Para a cidade natal do artista, a curadora Rosângela Miranda Cherem contou com a cocuradoria de Franzoi e Carolina Ramos. Luiz Henrique Schwanke (Joinville/SC, 1951 – 1992), pintor, desenhista, escultor, ator, dramaturgo, cenógrafo e publicitário, teve formação em comunicação social pela Universidade Federal do Paraná e possui obras em acervos como no Museu de Arte de Santa Catarina, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Participou da 21º Bienal de São Paulo com a obra Cubo de Luz.
APRESENTAÇÃO
Exposição Habitar os Incorporais, de Schwanke.
Luiz Henrique Schwanke (Joinville, SC 1951 – 1992) depura diferentes referências artísticas em sua produção. Entretanto, não se trata de um procedimento polarizado, mas de uma travessia incessante, uma vez que, aquilo que deveria ser despersonalizado e banido de emoção pelo recurso de materiais industriais, cria constantes tangências com o universo orgânico, o erotismo e a densidade trágica.
Os estóicos chamavam de incorporal tudo aquilo que não podia ser medido ou pesado, quantificado ou que ocupasse lugar. Na mais imensa vastidão do espaço e no mais diminuto instante, no mais íntimo e na mais obscura exterioridade, no mais pulsante e renitente, no que sempre volta e no que sempre escapa, era lá que ele estava.
Tal entendimento se reafirma num texto em que Schwanke considera: Não quero nada com a visualidade, quero o exercício dos sentidos com a imaginação. Nesta dimensão não apenas insere suas investigações e experimentações, mas também se reconhece como parte de uma unidade móvel capaz de acionar um fluxo entre o pensamento e o artista, o artista e a obra, a obra e o espectador, o espectador e o pensamento.
Rosângela Cherem | Curadora
MAPA DAS SÉRIES
O ARTISTA E SUA SINGULARIDADE POÉTICA Luiz Henrique Schwanke (Joinville, SC 1951 – 1992) começou sua vida artística em meados dos anos 70, enquanto estudava Comunicação Social na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sua produção resultou em cerca de cinco mil peças entre desenhos, pinturas, instalações, esculturas e projetos. Realizou exposições individuais e participou de coletivas, obtendo dezenas de prêmios nacionais e deixando obras em locais como Museu de Arte de Santa Catarina (MASC), Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), Museu de Arte do Rio (MAR-RJ) e Museu Oscar Niemeyer (MON-PR), bem como em acervos particulares. Além de sua formação em jornalismo e seu interesse por publicidade, área em que trabalhou, em sua biblioteca particular é possível reconhecer algumas leituras no âmbito da literatura (Julio Cortázar, Ezra Pound, Henri Müller, James Joyce, Fernando Pessoa), filosofia (Heidegger, Merleau- Ponty), sociologia (Jean Baudrillard) e semiologia (Roland Barthes), além de livros de física, psiquiatria e direito. Os livros de história da arte indicam uma fonte importante, através da qual elaborou seu repertório visual e suas formulações conceituais, certamente ampliadas pelas viagens e visitas a reconhecidos museus internacionais, conforme documentado em seu acervo pessoal. Esta bagagem permite perscrutar a complexidade com que depurou diferentes referências em sua produção artística. De um lado, alcançou experimentações bastante racionais advindas do construtivismo, do minimalismo e do concretismo. Para isso, adotou artefatos industrializados e de uso cotidiano, tais como perfis de persiana, prendedores de roupa, mangueiras e outros objetos plásticos. De outro lado, processou dimensões mais emocionais e gestuais que vão do barroco ao expressionismo, passando pelo dadaísmo, surrealismo e informalismo, além da pop art e da arte povera, resultando nos desenhos, colagens, pinturas e instalações em que fez uso de papelão e jornal, espetos de ferro e fontes luminosas. Entretanto, não se trata de um procedimento polarizado, mas de uma travessia incessante, uma vez que, aquilo que deveria ser marcado pelo cálculo, despersonalizado e banido de emoção pelo recurso de materiais industriais, não repousa em si mesmo, mas cria constantes tangências com o universo orgânico, o erotismo e a densidade trágica. Assim, a repetição serial contempla um ritmo que tanto oblitera como extravasa, enquanto a insistência dramática e a intensidade expressiva buscam uma contenção espacial. A concomitância torna-se um elo entre essas duas possibilidades aparentemente antagônicas, sendo que os procedimentos de encaixar, emparelhar, alinhar não estão longe de expurgar, trepidar, fibrilar.
O CONJUNTO DAS OBRAS E CONCEITO DE INCORPORAL Os estóicos consideravam que o mundo era composto de corpos, mas reconheciam que certas coisas não os tinham. Assim, chamavam de incorporal tudo aquilo que não podia ser medido ou pesado, quantificado ou que ocupasse lugar. Na mais imensa vastidão do espaço e no mais diminuto instante, no mais íntimo e na mais obscura exterioridade, no mais pulsante e renitente, no que sempre volta e no que sempre escapa, era lá que ele estava. A esta dimensão do mundo pertenciam o sonho e a memória, a obstinação e a imaginação, o tempo e o próprio pensamento constituindo-se numa espécie de invólucro inapreensível que acompanha as coisas. Se a tarefa da arte é aproximar-se das forças heteróclitas e inexprimíveis, imponderáveis e incongruentes que existem no mundo, se a arte vive em zonas inextensas e indeterminadas, então podemos dizer que sua matéria se refere aos incorporais. Há neles uma incompletude e inapreensão, sendo por esta condição, constantemente frequentados e revisitados. Entendido como uma exterioridade ou um acontecimento, do mesmo modo que uma constelação só existe quando as estrelas são reunidas numa ordem que anula a distância entre elas, o conceito não possui corpo e nem é a essência das coisas. Para os antigos gregos, o incorporal estava associado ao infinito e ao vazio e, ao se interpenetrarem, tanto os corpos poderiam se tornar incorporais, como os incorporais poderiam se fazer corpos. Num sentido aproximado, os medievos chamavam de pneuma tanto o fluxo que ligava o corpo à alma, como o que atravessava e animava o mundo. No século XX a arte explicita-se no domínio da coisa mental e do conceito. Ao refletir sobre a luta pela materialização da obra através de uma série de esforços e sofrimentos, recusas e decisões que não pertencem plenamente ao domínio do consciente, Marcel Duchamp chama a distância entre a intenção e a realização de coeficiente.1 Considerando que ao espectador também cabe compor uma parte da cadeia de sentidos necessários ao alcance da obra, argumenta que a resposta não está dada desde o começo e nem o artista a detém plenamente, sendo a mesma uma busca que nunca está pronta, tal como uma jogada ou lance que segue sempre sendo refeito. Num texto não datado em que encena um questionário com perguntas e respostas sobre arte, Schwanke observa que: As coisas oferecidas pelo criador a outro indivíduo devem ser apenas referenciais para que o receptor passe a criador e o círculo da criação se desenvolva em progressão geométrica, pois o importante tem que ser a criação, e não a limitação da coisa criada com relação ao indivíduo criador (…) existe um processo mental dependente e independente do processo humano.2 Tal entendimento encontra-se bastante identificado com as premissas do coeficiente duchampiano e aparece num projeto para a instalação de um carrossel numa praça, apresentado para uma exposição de esculturas efêmeras em Fortaleza, em findos 80, sob título Percurso do Círculo: Não quero nada com a visualidade, quero o exercício dos sentidos com a imaginação.3 Assim, nem sujeito nem objeto, nem aparência nem essência, mas o coeficiente consiste numa coisa mental, um incorporal, uma unidade móvel capaz de acionar um fluxo entre o pensamento e o artista, o artista e a obra, a obra e o espectador, o espectador e o pensamento.
PISO TÉRREO
ENTRADA Em meados dos anos 80 Schwanke criou formas que eram, ao mesmo tempo, humanas e esquemáticas, figurativas e abstratas, pintura e desenho. Num de seus textos, em que escreveu a respeito da reprodutibilidade por meio de impressão e fotografia, relacionou o problema do real e do virtual ao papel do espectador, menos para completar e mais para refazer a obra no plano mental. Desse modo, abordou o que entendia por desenho, não como uma técnica e sim como uma noção operatória por meio da qual o pensamento se viabiliza: O anverso pode completar o verso e vice-versa, essa propriedade, inerente ao desenho ainda no campo físico, pode ser levada ao metafísico. Na metafísica o enfoque de as duas partes se completarem, assume um aspecto mais amplo, a lógica investe no campo da sutileza, o sutil é o todo (…) as coisas, muitas vezes podem aparentar o inverso do que são, um pouco e às vezes. 4
HALL Em Mandala pode-se reconhecer um objeto feito pelo ato de enrolar uma mangueira até que ela se torne um diagrama geométrico, frequentemente relacionado aos sentidos exotéricos e ritualísticos com poderes vertiginosos e encantatórios, destinados à concentração e meditação. Por sua vez, se é possível perceber uma herança minimalista que recorre à manufatura industrial para produzir uma forma modular, também identifica-se uma perturbação por conta da relação olho-mente, conforme os efeitos da op-art. Estonteante e hipnótica, esta obra reverbera num além olho e, certamente não passou impune ao artista a vocação convulsa do orgânico em direção à supressão dos limites da mera visualidade, ao mesmo tempo em que reafirmava o círculo como a figura mais perfeita da geometria- que perfazemos diariamente com o movimento de rotação da terra.5
SALAS Fibrilação pode ser a chave para pensar algumas questões contempladas nas obras que comparecem nestes três ambientes. Trata-se de um díptico que se associa aos movimentos que dilatam e contraem os músculos cardíacos, sístole e diástole, permitindo que este órgão se alterne entre cheio e vazio, ruidoso e silencioso. Recusando conceder ao coração uma imagem romântica e individualizante, o artista remete a algo comum e possível a qualquer corpo humano, quando uma alteração nos batimentos, necessários à circulação sanguínea, pode ocasionar um estresse e levar à falência e à morte. Tais reflexões parecem se confirmar numa carta do artista para o crítico Frederico de Morais: fibrilação é o que faz o coração na hora do infarto: bate tão rápido que não bomba mais sangue, só trepida (…) A pior tragédia é o corpo.6 O movimento de incorporação e entrelaçamento entre orgânico e inorgânico também comparece em outros trabalhos feitos a partir de material plástico em que cada composto de cores e linhas rigorosamente ordenadas acolhe um convívio entre cálculo e reverberação, regra e variação, correção e incorreção, forma e caos, luz e sombra. Recusando a pureza das fórmulas modernistas, o artista faz do orgânico um módulo e da grade um informe, uma aparição que se dá a ver nos enquadramentos de uma espécie de janela obliterada, através da qual o olho cede lugar ao conceito. Se Leonardo da Vinci considerou em seus escritos que ao pintor caberia mostrar o mundo como se a tela fosse uma janela da alma, René Magritte ironizou este pressuposto ao pintar uma nuvem passando pelo olho e denominar a tela de Espelho falso. Schwanke parece levar este assunto adiante, recolocando a questão das pinceladas e dos padrões geométricos, refazendo uma conversa sobre os procedimentos pictóricos em outros termos. O mesmo acontece com as maletas e os galões dispostos num enquadramento como se estivessem numa tela, mas em desacordo com as noções de superfície e profundidade, forma e conteúdo. Assim, por outros meios, a pintura emerge como uma questão a interrogar sobre o que lhe é intrínseco e também o que lhe escapa até tornar- se uma coisa outra.
ESCADA No livro intitulado Bestiário, de Julio Cortázar, há um conto denominado Cefaléia em que são apresentados seres sagazes e malevolentes, denominados Mancuspias. Quadrúpedes zelosos de seus filhotes, dotados de bico e cabelo, necessitam de cuidados com alimentação, banho e tosa. Quando adultos, os machos, emitem um pio estridente e as fêmeas produzem uivos afiados. Sofrem de dores de cabeça que transmitem aos seus tratadores, causando-lhes vertigens e alucinações. Na narrativa, não é possível distinguir com clareza se estes sintomas acometem o protagonista ou se o que ele descreve é parte de uma realidade circundante que testemunha. Nas três telas pintadas em tinta vinílica e sem título, que comparecem no espaço entre os dois pisos, imagens situadas a meio caminho entre seios, nádegas e testículos ou entre humano e animal dão a ver algo que surge e se ausenta, que se define e se dissolve. Alheias a qualquer protocolo, norma ou moralidade, trata-se de formas corporais indivisas e indeterminadas, excessivas e inconclusas, através das quais espreita a própria pintura como um campo de produção de sensações, cuja fatura procura tocar os efeitos dramáticos e delirantes de um distúrbio encefálico.
PISO SUPERIOR
CORREDOR Remetendo ao que poderia ser um pequeno palco ou vitrine, seis caixas problematizam, de modo conciso e cifrado, a continuidade das coisas no mundo. Numa há moedas prateadas e um estojo do pó de arroz usado pela avó materna do artista, figurando uma suástica. Em outra há a réplica de uma minúscula garrafa, cuja bebida original conteria um componente utilizado nos medicamentos para transtornos de personalidade. Botões de laranjeira parecem coroar o que seria um véu de noiva invertido e negro. Em outra há um pacote atravessado por diminutas facas, lembrando um coração apunhalado. Na caixa mais sombria parecem surgir partes sintetizadas do corpo masculino e feminino, questão que volta em outra caixa, destacando as imagens arquetípicas, como no caso da pequena cobra enroscada na cadeira que sugere a imagem do feminino. O aglomerado de coisas díspares de cada uma constitui uma dramaturgia secreta que não é nem quadro tridimensional, nem escultura que se aproxima do bidimensional, preservando certas afinidades com as caixas dadaístas, os gabinetes fluxus e os cubos minimalistas. Mais adiante esta forma- receptáculo será bastante ampliada, resultando numa obra intitulada Cubo de Luz – Antinomia (Bienal de São Paulo, 1991), onde uma espécie de cova-cubo se dirige ao céu por meio de um feixe de luz que irrompe o limite das coisas visíveis.
SALA À DIREITA Referências discretas, mas contundentes, pedem atenção e aproximação do olhar. O abstracionismo geométrico de Mondrian é tratado com irreverência ao ser recombinado meticulosamente com pequenas imagens decalcadas de atletas. O que seria o corpo de um santo na tela do pintor renascentista Antonello de Messina se contrapõe a partes fragmentadas e fetichizadas do corpo masculino, desenhadas de modo tão perfeito que se assemelham a três pequenas e delicadas colagens sobre páginas brancas em que se reconhece rosto, braço e parte inferior do tronco e pernas. O mesmo erotismo se apresenta em outras duas séries, resultando numa operação de transbordamento que se repete em busca de uma aparição e permite reconhecer uma realidade repleta de embriaguez que, (…) persegue até mesmo o aniquilamento e sua dissolução libertadora.7 Numa parede encontram-se perfis que remetem a cabeças masculinas, cujas nuances de preto, vermelho e branco lembram cores de edema e sofrimento da carne, contemplado também na alusão à coroa de espinhos. Nesta série o rosto está ausente. Em outra parede, como croquis de moda ou cartazes publicitários, desenhos de torsos intensificados pela pintura dos calções coloridos ganham destaque como ironia transgressiva em que o orgânico se dá a ver como força perturbadora que incide na repetição das formas, não como diferença, mas como dissolução do princípio subjetivo e individualizante. Nesta série é a própria cabeça que se ausenta. Na sala contígua, mais intimista e menor, alguns novos espantos aguardam o espectador. Do mesmo modo que no piso inferior perfis de cortina encenam janelas obliteradas, não se sabe se voltadas para o espaço interior ou exterior, neste piso superior páginas de revista recebem sonetos feitos por meio de simples traços que obliteram as palavras, deixando ver um fundo, cujas imagens não se sabe se estão ali de modo cifrado ou aleatório. Contraponto aos sonetos que parecem surgir de gestos mais espontâneos e quase automáticos, comparecem outros três sonetos em que a premeditação está mais explícita, através do recurso de decalques de flores, peixes e insetos alinhados com obstinada perfeição e minúcia, mas que, ainda assim persistem como a própria figuração de uma poesia muda e como linguagem poética interditada ao significado. Confirmando que ao artista cabe o poder demiúrgico de transformar a matéria para fazer surgir outra coisa, no encontro de duas paredes em quina, encontra-se uma série de quase inacreditável fatura: desenhos com ecoline e lápis de cor fazem referência a Leonardo da Vinci, George de La Tour, Antônio Canova e Renoir. Ao recusar a citação de reconhecimento imediato, o efeito fácil e a mera apropriação, um gesto de extrema depuração parece predominar sobre as figurações da história da arte e do design. Assim, os artistas não podem ser identificados pela completude ou integridade visual das obras a que remetem, mas por um pequeno detalhe que invade os desenhos com a mesma intensidade e soberania com que um sonho expande e faz cintilar o que era somente um diminuto e despercebido fragmento diurno, fazendo com que um quase nada se torna uma inteireza.
SALA FINAL DO CORREDOR À ESQUERDA Entre o esplendor de uma cena sagrada e o maravilhamento de uma cena fílmica paralisada, a instalação Claro – Escuro apresenta em seu primeiro plano um enorme plotter que reproduz uma tela de Caravaggio, intitulada A deposição de Cristo. Todo o pensamento que marcou a trajetória do artista parece incidir nesta obra: os minuciosos desenhos feitos em findos dos anos 70 que referenciavam a história da arte e o design, os enigmas contemplados nas caixas do começo dos 80 e a experimentação com materiais industrializados dos findos de 80. O gesto compulsivo e sua epifania finalmente parecem ter produzido uma espécie de síntese configurada numa única e espantosa imagem, afetada pelo plano de trás, o qual é constituído por uma grade com holofotes e espetos, cujas formas o olho tenta inadvertidamente apreender. Porém, a mesma luz que serve para produzir um efeito luminoso e divinal na cena da descida da cruz, impede a percepção objetiva deste segundo plano. Uma inundação de luz sem contraste acaba por se constituir como uma aparição desestabilizadora, um corpo milagroso, sendo o milagre entendido como um incorporal que busca a matéria para nela se manifestar. Na insistência matéria, contenção e violência incidem de modo calculado, sem casualidade, nem história. Trata-se de um recurso para produzir a impressão de uma luz sobrenatural, um estado onírico em que a figuração de um corpo sagrado remete ao incomensurável, ao incontido e ao inquantificável. Segundo o próprio artista em seus escritos sobre esta instalação, os antigos filósofos, tanto consideravam que a luz verdadeira era invisível aos sentidos (Philo, o alexandrino), como consideravam que se o olho humano não tivesse algo de solar, não poderia perceber o sol, sugerindo assim uma profunda intimidade entre o sublime e o orgânico (Plotino)8. Pode-se lembrar que para pintores da proto renascença como Frangélico, o divino era impossível de representar, sendo a luz concebida como sua manifestação. Assim, entre a premeditação e o onírico, a exatidão e a êxtase, a matéria e o incontemplável, Schwanke busca uma conciliação impossível, confirmando que a desmesura não é o contrário do mensurável, mas a presença de todas as medidas ao mesmo tempo. O olho que se abisma no excesso luminoso da obra é afetado pelo convívio entre forma e desmedida, entre o que define e o que desfaz, tal como na compreensão formulada por Nietzsche (…) se, depois de termos feito grande esforço para fitar o sol de frente, nos desviarmos, machas escuras aparecem diante dos nossos olhos, como benéfico remédio que acalma nossa dor; de modo inverso, essas aparências luminosas do herói de Sófocles – numa palavra, o apolíneo da máscara – são as consequências necessárias de um olhar profundo para dentro do horroroso da natureza; são como manchas de luz que devem aliviar o olhar cruelmente dilatado pela horripilante noite.9 Considerando a tragédia grega pela presença das forças apolínea e dionisíaca, Nietzsche permite reconhecer o elo indissoluto que se instaura entre a estrutura e o caos: como um bálsamo salutar relembra o veneno mortal – quero dizer, esse fenômeno do sofrimento que suscita o prazer, da alegria que arranca sons dolorosos. Da mais elevada alegria brota o grito de horror ou queixa ardente de uma perda irreparável.10
JARDIM
Cobra Coral foi concebida dentro de um conjunto de proposições a serem instaladas em locais públicos. Trata-se de uma composição modular de baldes nas cores vermelha, preta e branca, apresentando-se como estrutura anelada e vertebral, e assemelhando-se ao movimento rastejante da serpente medindo entre 20 e 30 metros.11 Neste trabalho que só foi realizado após a morte do artista, o contraponto entre artificial e orgânico aponta para os processos ligados a vida, sendo que o corpo da cobra se movimenta entre a paisagem e anuncia certo perigo e possibilidade de envenenamento. Ao mesmo tempo, assemelha-se aos brinquedos infantis por meio das possibilidades de construção do inusitado e da reestruturação da matéria como jogo lúdico. Solta no espaço, parece formar um gigantesco réptil manipulado pelas condições do lugar onde permanece, criando uma reflexão sobre os materiais empregados e a visualidade do conceito. Sem esquecer as intervenções urbanas e as articulações modulares que dão forma maleável e cinética às esculturas, ao ocupar um lugar da paisagem e redimensionar o corpo do espectador, observa-se que o artista não busca uma interatividade intimista, mas pede a transitividade para experimentar a obra no espaço, dando vida à fábula e gerando uma dimensão reflexiva na relação entre objeto, conceito e mundo.
Rosângela Cherem | Curadora
1 DUCHAMP, Marcel. O Ato Criador. In: BATTCOCK, Gregory. A Nova Arte. São Paulo: Perspectiva, 2004.
2 PEDROSO, Néri. Filigranas. In KLOCK, Kátia et al. (orgs.). Percurso do Círculo. Florianópolis: Contraponto, 2010, pag. 42.
3 Ibid. , p. 49.
4 SCHWANKE, Luiz Henrique. Verso e anverso. In: GUERREIRO, Walter. Rastros. Belo Horizonte: C/ Arte, 2011, p. 119 a 121.
5 PEDROSO, Néri. Filigrana. In: KLOCK, Kátia et al. (orgs.). Percurso do Círculo. Florianópolis: Contraponto, 2010, p. 49.
6 MORAIS, Frederico. Schwanke. In: KLOCK, Kátia et al. (orgs.). Percurso do Círculo. Florianópolis: Contraponto, 2010, p. 110 e 112.
7 NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Escala, 2007, p. 33 e segs.
8 MAGALHÃES, Fabio. Poética iluminada. In: Percurso do Círculo. Florianópolis: Contraponto, 2010, p. 91.
9 NIETZSCHE, Friedrich. Op. cit., p. 71.
10 Ibid. , p. 35.
11 FARIAS, Agnaldo. Schwanche sempre. In: KLOCK, Kátia et al. (orgs.). Percurso do Círculo. Florianópolis: Contraponto, 2010, p. 13.
FICHA TÉCNICA
Coordenação
Eneléo Alcides (Fundação Cultural BADESC)
Maria Regina Schwanke Schroeder (MAC/Instituto Schwanke) Curadoria
Curadora
Rosângela Cherem
Ccuradoria assistente
Carolina Ramos (1ª assis.)
Anete George (2ª assis.) Arte Educação
Carolina Ramos Articulação
Neri Pedroso Logística
Franzoi
Gabriela Maria Carneiro de Loyola
Mônica Juergens Designer
Bianca Justiniano dos Santos Montagem
Flávio Brunetto Assessoria de Imprensa
CCR Gestão de Comunicação
Néri Pedroso
SCHWANKE, CIRCUITO EXPOSITIVO
Luiz Henrique Schwanke (Joinville, SC 1951 – 1992) começou sua vida artística em meados dos anos 70, enquanto estudava Comunicação Social na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sua produção resultou em cerca de cinco mil peças entre desenhos, pinturas, instalações, esculturas e projetos. Realizou exposições individuais e participou de coletivas, obtendo dezenas de prêmios nacionais e deixando obras em locais como Museu de Arte de Santa Catarina (MASC), Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), Museu de Arte do Rio (MAR-RJ) e Museu Oscar Niemeyer (MON-PR).
Depurou diferentes referências em sua produção.De um lado, alcançou experimentações bastante racionais advindas do construtivismo, do minimalismo e do concretismo, apropriando-se de objetos industrializados e de uso cotidiano, tais como perfis de persiana, prendedores de roupa, mangueiras e outros objetos plásticos. De outro lado, processou dimensões mais emocionais e gestuais que vão do barroco ao expressionismo, passando pelo dadaísmo, surrealismo e informalismo, além da pop art e da arte povera, resultando nos desenhos, colagens, pinturas e instalações em que fez uso de papelão e jornal, espetos de ferro, spots e lâmpadas.
A concomitância torna-se um elo entre essas duas possibilidades aparentemente antagônicas, sendo que os procedimentos de encaixar, emparelhar, alinhar não estão longe de expurgar, trepidar, fibrilar. Não se trata de um procedimento polarizado, mas de uma travessia incessante, uma vez que, aquilo que deveria ser marcado pelo cálculo, despersonalizado e banido de emoção pelo recurso de materiais industriais, não repousa em si mesmo, mas cria constantes tangências com o universo orgânico, o erotismo e a densidade trágica.
OBRAS EXPOSTAS NO INSTITUTO INTERNACIONAL JUAREZ MACHADO
Os perfis de persiana (piso térreo) se apresentam como quadros com algumas variações de tamanho. Vale destacar a imagem de uma janela obliterada pelas cores azul e verde em um; preto, branco e vermelho em outro; além de um em branco com bordas verdes. Entre a janela e a cortina, Schwanke parece sugerir as linhas e cores como desdobramento de desenhos e pinceladas ou sutis figurações de padrões ornamentais e abstrações geométricas modernistas.
Por diferentes meios, a pintura emerge como uma interrogação sobre o que lhe é intrínseco e o que lhe escapa até tornar- se uma coisa outra. Isto também acontece com o quadro feito com prendedores de roupa coloridos, com as maletas e os galões (piso térreo) dispostos num enquadramento como se estivessem numa tela, mas em desacordo com as noções de superfície e profundidade, forma e conteúdo.
Desenhos com ecoline e lápis de cor (piso superior) fazem referência a Leonardo da Vinci, Antonello de Messina, Antônio Canova, Renoir e Mondrian. Todavia recusam uma citação ou aproximação de reconhecimento imediato e a mera apropriação, priorizando um gesto de depuração e atravessamento entre figurações da história da arte e do design. Assim, um pequeno detalhe invade os desenhos com a mesma intensidade e soberania de uma figuração de sonho, onde um diminuto e despercebido fragmento diurno cintila e se expande. De Canova resta a maçã que a mão de mármore de Paulina Borghese segurou, das meninas pintadas por Renoir restam duas poltronas modernas da mesma cor rosa e azul de seus vestidos. O que seria o corpo de um santo na tela do pintor renascentista Antonello de Messina se contrapõe a partes fragmentadas do corpo masculino, referências fetichizadas e desenhadas de modo tão perfeito que se assemelham a três pequenas e delicadas colagens sobre páginas brancas, onde se reconhece rosto, braço e parte inferior do tronco e pernas. O anjo da Anunciação torna-se um dedo, autonomizado numa série de dedos que parecem recortados das páginas de revistas. O abstracionismo geométrico de Mondrian é tratado com irreverência ao ser recombinado meticulosamente com pequenas imagens decalcadas de atletas e cachos de uva ou fazendo-se passar por requadros e balões das histórias em quadrinhos.
O entrelaçamento entre orgânico e inorgânico também se destaca em trabalhos como as cabeças, os torsos, os leõezinhos e as meninas (piso superior). Em cada uma destas séries, observa-se um convívio entre cálculo e reverberação, regra e variação, correção e incorreção, forma e caos, contenção espacial e intensidade expressiva. Anatomias híbridas de animais e humanos, masculino e feminino oferecem leveza e humor aos fragmentos realçados por detalhes em constante metamorfose de nádegas, seios e testículos ou penis, garras e narizes. A mesma indistinção, embora com mais consistência dramática, aparece na série conhecida como Linguarudos ou Carrancas (piso térreo). Pintados em guache sobre papel ou acrílica sobre tela, sempre há uma boca aberta por onde avança uma língua, cuja forma frequentemente se assemelha ao nariz, queixo ou penis.
Ainda dentro da proposição deste espaço expositivo, deve ser assinalada a presença de sonetos com recurso de decalques de flores, peixes e insetos (piso superior) alinhados com obstinada perfeição e minúcia, constituindo-se como figuração de uma poesia muda ou linguagem poética interditada ao significado. Assim para ver é preciso silenciar qualquer esforço explicativo, sendo que falar sobre estas imagens é tomá-las por onde nem as coisas nem as certezas estão.
OBRAS EXPOSTAS NA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE JOINVILLE- ACIJ
Embora não tenham sido concebidas como dípticos, chamam atenção duas obras feitas em perfis de cortina e trabalhadas como sequencia em cores cinérias (sala Tigre). Num quadro as linhas se formam de modo retilíneo compondo uma espécie de código de barras; em outro as linhas seguem uma espécie de ondulação vertical que provoca um desconforto ocular. Ambos permitem reconhecer certas reflexões caras à linguagem pictórica das vanguardas modernistas, tanto em relação ao abstracionismo, como ao conceitualismo; tanto em relação ao debate sobre ornamento geométrico, como uma crítica ao gosto decorativo e figurativo. Também incidem sobre estes dois trabalhos as proposições caras ao minimalismo, no que se refere ao uso de materiais industrializados, à recusa de uma interioridade subjetiva ou transcendental, bem como ao gosto pela sequencia (uma coisa depois da outra) e pela tautologia (o que você vê é o que você vê).
Se o papel e a tela foram os suportes priorizados desde o começo da trajetória de Schwancke, ao chegar ao final da década de 80 voltou sua atenção para o material industrializado, privilegiando objetos concebidos como instalações, quer fossem para exposição em ambientes internos, quer fossem ao ar livre. É o caso das nove colunas feitas em bacias vermelhas e brancas (calçada da área externa), sendo que cada uma apresenta base e ponta vermelhas, com quatro metros de altura e alinhadas com três metros de distancia entre si. Muitas camadas de reflexão parecem estar contempladas nestes objetos, desde a história das colunas em templos antigos, até a relação da arquitetura com o corpo, tal como escrito por Vitruvio no século I antes de Cristo, depois retomada por Leonardo da Vinci ao pensar as proporções entre a anatomia e o espaço. Impossível ignorar as questões caras aos artistas da land art, privilegiando a relação da obra com a natureza, em detrimento do espaço dos museus e galerias, bem como seus desdobramentos nas intervenções urbanas.
OBRAS EXPOSTAS NO MUSEU DE ARTE DE JOINVILLE – MAJ
Em Mandala (piso térreo) observa-se um objeto feito pelo ato de enrolar uma mangueira até que ela se torne um diagrama relacionado aos sentidos exotéricos e ritualísticos com poderes vertiginosos e encantatórios, destinados à concentração e à meditação. Igualmente é possível perceber nesta estrutura circular de 260 metros, composta por treze mangueiras, uma herança minimalista que recorre à manufatura industrial, ao mesmo tempo em que se pode constatar uma perturbação por conta da relação olho-mente, conforme os efeitos da op art. Hipnótica, destaca-se a vocação convulsa do orgânico em direção à supressão dos limites da mera visualidade, ao mesmo tempo em que reafirma o círculo como a figura mais perfeita da geometria- que perfazemos diariamente com o movimento de rotação da terra (…) 1
Fibrilação (piso térreo) é formada por um quadro branco e um outro vermelho, feitos em perfis de persiana, cujo título se relaciona aos movimentos que dilatam e contraem os músculos cardíacos, sístole e diástole, permitindo que este órgão se alterne entre cheio e vazio, ruidoso e silencioso. Recusando conceder ao coração uma imagem romântica e individualizante, o artista remete a algo comum e possível a qualquer corpo humano: a alteração que faz com que os batimentos necessários à circulação sanguínea possam levar à morte. Assim, vertigem, avaria, distúrbio e disjunção, parecem se explicitar, tal como numa carta do artista ao crítico Frederico de Morais: fibrilação é o que faz o coração na hora do infarto: bate tão rápido que não bomba mais sangue, só trepida (…) A pior tragédia é o corpo. 2
No livro intitulado Bestiário, de Julio Cortázar, há um conto denominado Cefaléia em que são apresentados seres sagazes e malevolentes, denominados Mancuspias (piso térreo). Quadrúpedes que sofrem dores de cabeça que transmitem aos seus tratadores, causando-lhes vertigens e alucinações. Na narrativa, não é possível distinguir com clareza se estes sintomas acometem o protagonista ou se o que ele descreve é parte de uma realidade circundante que testemunha. Desenhadas, pintadas em guache sobre papel ou acrílica sobre tela, surgem formas corporais indeterminadas e excessivas, meio caminho entre seios, nádegas e testículos ou entre humano e animal. Através delas, o artista torna a superfície pictórica um campo de sensações, procurando tocar os efeitos dramáticos e delirantes de um distúrbio encefálico.
Entre o esplendor de uma cena sagrada e o maravilhamento de uma cena fílmica paralisada, a instalação Claro-escuro (piso térreo) apresenta em seu primeiro plano um enorme plotter que reproduz a tela de Caravaggio intitulada A deposição de Cristo. Todo o pensamento que marcou a trajetória do artista parece incidir nesta obra: os minuciosos desenhos feitos em findos dos anos 70, fazendo referência aos efeitos de luz e sombra de Georges de La Tour no palito de fósforo aceso ou simplesmente na caixa de fósforos (porão), os enigmas contemplados nas box arts (porão), do começo dos 80, além de outros trabalhos bastante experimentais como Catenária e Paralepípedo de Luz ao final dos 80. O gesto renitente em relação ao tema da luz, quer como fenômeno físico ou fenômeno relacionado ao divino, quer pelo domínio da perfeição técnica ou pela epifania mediante a experiência com o sagrado, parece ter produzido uma espécie de síntese configurada numa única imagem. Contenção e violência incidem de modo calculado, suspendendo o tempo ao colocar, sem causalidade e nem história, a descida da cruz no presente do espectador sacrificando sua visão.
Em meados dos anos 80 Schwanke criou formas que eram, ao mesmo tempo, humanas e esquemáticas (porão), figurativas e abstratas, pintura e desenho. Num de seus textos, em que escreveu sobre o problema do real e do virtual em relação ao espectador abordou o que entendia por desenho, não como uma técnica e sim como uma noção operatória por meio da qual o pensamento se viabiliza: O anverso pode completar o verso e vice-versa, essa propriedade, inerente ao desenho ainda no campo físico, pode ser levada ao metafísico. Na metafísica o enfoque de as duas partes se completarem, assume um aspecto mais amplo, a lógica investe no campo da sutileza, o sutil é o todo (…) as coisas, muitas vezes podem aparentar o inverso do que são, um pouco e às vezes. 3
Remetendo ao que poderia ser um pequeno palco ou vitrine, seis caixas (porão) problematizam, de modo conciso e cifrado, a continuidade das coisas no mundo. Numa há moedas prateadas e um estojo do pó de arroz usado pela avó materna do artista, figurando uma suástica. Em outra há a réplica de uma minúscula garrafa, cuja bebida original conteria um componente utilizado nos medicamentos para transtornos de personalidade. Botões de laranjeira parecem coroar o que seria um véu de noiva invertido e negro. Em outra há um pacote atravessado por diminutas facas, lembrando um coração apunhalado. Na caixa mais sombria parecem surgir partes sintetizadas do corpo masculino e feminino, questão que volta em outra caixa, destacando as imagens arquetípicas, como no caso da pequena cobra enroscada na cadeira que sugere a imagem do feminino.
Mais adiante esta forma- receptáculo será bastante ampliada, resultando numa obra intitulada Cubo de Luz- Antinomia (Bienal de São Paulo, 1991), onde uma espécie de dado- caixa ou cova- cubo se dirige ao céu por meio de um feixe de luz que irrompe o limite das coisas visíveis. Cabe destacar que o vídeo intitulado A luz de Schwanke (porão), feito em 2007 sob a direção de Ivi Brasil e Mauricio Venturi, aborda a trajetória do artista, enfatizando como a problemática da caixa de luz ocupou um espaço importante, tanto em termos de seus interesses poéticos, como em seus processos e soluções matéricas.
As sete colunas (jardim) assemelham-se a um alinhamento feito com palitos de fósforos. São construídas com baldes brancos e estão distanciadas por três metros entre si, sendo que, na parte de superior de cada coluna com quatro metros de altura, há um balde vermelho. Este trabalho foi apresentado em 1989 no centro de Joinville dentro de um conjunto intitulado Schwanke Esculturas, por iniciativa do MAJ, e em 1990 na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro. Cobra Coral (jardim) foi concebida dentro de um conjunto de proposições a serem instaladas em locais públicos. Trata-se de uma composição modular formada por baldes nas cores vermelha, preta e branca, apresentando-se como estrutura anelada e vertebral, medindo entre 20 e 30 metros. 4 Solta no espaço, parece formar um gigantesco réptil manipulado pelas condições do lugar onde permanece, criando uma reflexão sobre os materiais empregados e a visualidade do conceito. Neste trabalho, só realizado após a morte do artista, o contraponto entre artificial e orgânico, entre os processos ligados a vida e um certo perigo e possibilidade de envenenamento. Ao mesmo tempo, remete aos brinquedos infantis por meio das possibilidades de construção do inusitado e da reestruturação da matéria como jogo lúdico. Sem esquecer as intervenções urbanas e as articulações modulares que dão forma maleável e cinética às esculturas. Ao ocupar um lugar na paisagem e redimensionar o corpo do espectador, não busca uma interatividade intimista, mas pede a transitividade para experimentar a obra no espaço, gerando uma dimensão reflexiva na relação entre objeto, conceito e mundo.
Rosângela Cherem | Curadora
1 PEDROSO, Néri. Filigranas. In: KLOCK, Kátia et al. (orgs.). Percurso do Círculo. Florianópolis: Contraponto, 2010, p. 49.
2 MORAIS, Frederico. Schwanke. In: KLOCK, Kátia et al. (orgs.). Percurso do Círculo. Florianópolis: Contraponto, 2010, p. 110 e 112.
3 SCHWANKE, Luiz Henrique. Verso e anverso. In: GUERREIRO, Walter. Rastros. Belo Horizonte: C/ Arte, 2011, p. 119 a 121.
4 FARIAS, Agnaldo. Schwanche sempre. In: KLOCK, Kátia et al. (orgs.). Percurso do Círculo. Florianópolis: Contraponto, 2010, p. 13.
FICHA TÉCNICA
MAC Schwanke
Maria Regina Schwanke Schroeder Fundação Cultural BADESC
Eneléo Alcides Museu de Arte de Joinville
Guilherme Augusto Heinemann Gassenferth Instituto Internacional Juarez Machado
Juarez Machado Associação Empresarial de Joinville
Moacir G. Thomazi
Equipe Curatorial
Curadora
Rosângela Cherem
Co-curadoria
Carolina Ramos
Franzoi Designer
Bianca Justiniano dos Santos
Sara Pinnow Arte Educação
Coordenação
Letícia Coneglian Mognol
Franzoi
Maj
Alcione Resin Ristau Mediação e monitoria
MAJ
Adriano Horn
Débora Z. Boegershausen
Nádia Lidiane Otto
Soraia Silva
Tiago Castaño Moraes
IIJM e ACIJ
Celiane Nitsch
Francielly Francisco
Mariana Mosimann
Monica Juergens
Queila Madeira Produção
Gabriela Maria Carneiro de Loyola
Franzoi
Maria Regina Schwanke Schroeder
Montagem
Coordenação
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Maria Regina Schwanke Schroeder
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